Aquarius”, por mais que seja um ótimo filme, vem ganhando mais destaque pelas polêmicas que estão envolvendo a produção. Aquarius cartazDurante a coletiva, o diretor e parte do elenco responderam a perguntas sobre o filme, as polêmicas do filme e da vida.

Logo no começo Kleber Mendonça Filho foi indagado sobre as críticas que o filme faz as manipulações de informação feitas pelas grandes mídias e qual seria a maior mentira espalhada sobre o filme. O diretor comentou como hoje em dia tanto a grande mídia quanto sites e blogs podem criar matérias jornalísticas e essas se espalham pela internet como vírus, mesmo sendo equivocadas; ao falar das mentiras contadas sobre o filme disse: “eu diria que uma das que mais me chamou a atenção foi uma acusação de que fomos a Cannes pago pelo Governo e estávamos de férias e no chute cada um de nós, de uma equipe de 31 pessoas, estaria recebendo 500 euros por dia, que é uma das coisas mais estapafúrdias, absurdas, e nojentas que alguém poderia escrever. E isso virou assunto e bizarramente virou informação, por mais equivocada que esteja. Mas em termos gerais a grande mídia foi bem clara e precisa ao relatar sobre o filme.”

Ao comentar sobre a evolução do cinema nacional da década de 1990 para cá falou sobre grandes produções que vem sendo feitas, como “Que Horas Ela Volta?”, “Boi Neon” e o próprio “Aquarius” que há algum tempo não teriam espaço para serem criadas e que atualmente existem muitos bons projetos de filmes de autor ganhando a possibilidade de serem produzidos, que isso não significa acabar com o cinema comercial, que ele deve ser produzido sendo bom ou ruim, mas poder ter espaço para outros tipos de filmes também é importante. Ao falar do futuro do cinema nacional afirmou “Daqui pra frente ninguém sabe, hoje é um dia histórico, decisivo na nossa história atual, eu realmente não sei como ficaram políticas de incentivo, não sei. O que eu sei é que momentos de tensão num país geram reações e que são reações artísticas, e eu imagino que a gente pode ter daqui pra frente filmes mais combatidos.”

Ainda nessa temática, Kleber foi perguntado como achava que o filme seria recebido pelo Governo e disse que é muito difícil fazer um filme e esterilizar o Brasil ou os problemas de viver em sociedade, como ele gosta de que o público identifique objetos reais das casas brasileiras em cena, e não que pareça um mostruário da TokStok, que isso cria uma ligação entre público e filme. Então ele não pretende mudar seu discurso, inclusive intensificá-lo caso sejam realmente colocados obstáculos às produções nacionais.

Quando perguntada Sonia Braga comentou como esse foi um dos melhores roteiros que já recebeu na vida e como a personagem Clara deu voz para a cidadã Sonia, que ela estava precisando desse posicionamento. Nesse momento, nós do Central42, tivemos a oportunidade de fazer uma pergunta:

PERGUNTA CENTRAL 42: Sônia e mulheres da mesa, a Clara, por mais que seja uma avó, tem uma vida, tem desejos, enfim. Eu gostaria de saber como vocês veem a mulher mais velha na mídia? Se tem campo para ser mais explorada?

Sonia Braga – Eu acho que a mídia ainda trata a mulher como se fosse nos anos 40, uma mulher de 60 anos nos anos 40 realmente era uma mulher muito velhinha, minha avó por exemplo faleceu com 60 anos e era bem velhinha, me lembro dela como uma pessoa velha. Mas as coisas mudaram muito, o mundo mudou muito, o ser humano se desenvolveu de uma maneira incrível, e dentro da sociedade a mulher tomou uma posição mais forte, muito mais presente e eu acho que na realidade a indústria não acompanha muito isso né, em termos da relação homem mulher por exemplo, invertida pode mas aquela outra não, sendo mais explícita, uma mulher de 60 anos com um garoto de 20 impossível, mas um homem com uma menina de 20 não tem o menor problema. Uma mulher que toma a frente, que toma sua posição dentro da sociedade é uma exceção e não uma coisa natural. Então acho que isso tudo ainda tem que ter um acerto da sociedade, da indústria cinematográfica, das artes com as mulheres. Acho que mais mulheres viraram roteiristas, também estão revendo isso tudo, mas ainda existe um caminho bem longo pra percorrer. Mas a Clara, ela conseguiu modificar esse olhar sobre essa mulher.

Emilie Lesclaux – No cinema em geral não tem muitos roteiros e filmes com protagonista mulheres nessa faixa etária e talvez pelo preconceito nós não temos muito mercado pra isso, mas pelo que estou vendo das reações do público eu acho que tem um público muito grande pra esse tipo de filme. A gente viu reações incríveis de mulheres se identificando e finalmente se vendo na tela com uma vida completa, sem tabu, acho isso muito bom.

Maeve Jinkings – Concordo com tudo que elas falaram e acho que isso é reflexo de um mundo que é dominado pelos homens, e historicamente o cinema é um ambiente predominantemente feito por homens e para o olhar masculino, hétero, tão obcecado pela juventude e pela mulher objetificada. E a gente vive um momento agora onde as mulheres, como muitas outras minorias, demandando sua representatividade, chamando a atenção para essa sub-representação. É estatístico, as mulheres falam muito menos, mostram muito mais o corpo, 80% dos personagens masculinos tem uma profissão, as mulheres não chegam nem a 30%, elas estão sempre em uma função que gira em torno da maternidade, casamento, enfim. E o Kleber tem uma coisa, que eu fico brincando, que ele é o Chico Buarque do roteiro, é impressionante como ele consegue escrever personagens femininas muito complexas, com complexidade de todas as ordens. Isso foi uma das razões pela qual eu fiz questão de fazer esse papel. Personagem revolucionária, icônica.

Barbara Colen– Sou muito otimista, é crítica a situação como a mulher é vista na mídia, mas acho que é o momento de diretoras, roteiristas, dramaturgas, acho que o Kleber é uma rara exceção, um homem que sabe escrever tão bem, mas é importante mesmo que as mulheres tomem essa fala escrita e que escrevam roteiros de uma maneira feminina, esse é o caminho pra gente de fato ser retratada.

Julia Bernat – Acho que tudo já foi dito basicamente. Mas tem várias situações em que isso é muito especial, você vê a Clara vivendo situações que a grande mídia não costuma retratar em ficção, elas indo pra festas, situações em que você se pergunta “Por que isso não é visto? Por que a gente acha que isso é exceção?” . Isso é muito bacana do filme, trazer isso a tona, fazer as pessoas pensarem sobre isso, tem muita relação com o momento feminista que estamos vivendo na sociedade, repensar esses valores, como o machismo não está sendo tão tolerado, então acho que tem essa função política mesmo.

Ao tocarem na polêmica da classificação etária que o filme recebeu, Kleber disse:

“Quanto a classificação etária, eu sei o filme que fiz, eu tinha em mente questões de tabu , de imagem, relacionadas a sexo, Aquarius não tenho uma única cena de violência, sangue, facadas e coisas do tipo, mas ele tem três momentos de sexualidade que foram filmados corretamente, com a lente correta, com a distância correta, costurados dentro de uma narrativa, são imagens fortes dentro da narrativas, mas eu não acredito que elas mereçam, no todo, a classificação 18 anos, até porque se pegar uma safra recente de cinema brasileiro, Boi Neon, Para minha Amada Morta, Bruna Surfistinha, Tatuagem, que são filmes que encaram a sexualidade de uma forma franca, eu não acho que Aquarius seja mais chocante. Eu não acho que Aquarius merece estar na mesma prateleira que Ninfomaníaca ou Love 3D, Calígula. (…) Eu nunca pensei em fazer cortes, a única coisa que eu pensei foi na cena da orgia colocar um palhaço em cima do pênis ereto do rapaz que tá longe da câmera, inclusive. É sério essa opção. Quando tia Lucia tem flashs de lembrança do amor dela, se ela tivesse na festa e a gente mostrasse ela lembrando deles em um parque e ele entregando uma rosa pra ela, eu não acho que seria esse filme. Acho que a memória tinha que ser bem franca, quando você pensa em sexo você não submete ao órgão de classificação etária, você pensa no sexo. Então era importante que fosse muito calibrado, sem ser sexo explícito, e eu digo aqui não é sexo explícito, mas que fosse uma cena forte. Então se eu fosse mudar isso, fazer algo mais brando eu não acho que seria o filme. E na impossibilidade de fazer modificações de corte eu realmente preferiria submeter a uma versão com o palhacinho, na versão com 14 anos (que eu acho que seria a classificação correta) ele veria o palhacinho sabendo que teria mais pra ver na versão 18 anos.”

Por fim, Sonia Braga e Humberto Carrão comentaram a figura de Diego no filme, como ele representa uma figura opressora em vários sentidos e se eles acham que os “Diegos” da vida real estão ganhando mais espaço, ao fim foram aplaudidos por suas respostas:

Sonia Braga- A tensão é clara e existe né. O que eu posso te dizer é que os movimentos existiam antes muito calados, então com a internet eles tiveram a possibilidade de se organizar, porque veja bem como é que um trabalhador vai poder se organizar se ele trabalha 24h por dia? É muito mais difícil hoje em dia que o trabalhador consiga se organizar do que era nos anos 70. Eu só posso dizer o que eu espero, que haja mais justiça para todos, que todos nós possamos ter um Brasil justo, que todas as crianças consigam cumprir o seu destino desde o berço. Essa divisão é uma coisa que me incomoda demais, todas as nossas lutas tem que ter uma união, como foi as Diretas Já; o Brasil virou um país democrático e o risco de perder essa democracia que é muito jovem. Claro, apavora a todos. Eu tenho confiança que nós vamos conseguir, eu acredito nisso.

Humberto Carrão – Eu particularmente penso que os Diegos não aguentaram perder as últimas eleições e arranjaram uma nova forma de tomar o poder e os “Aquarius” já estão sendo destruídos né, os direitos de minorias já estão indo embora. Acho que é ação e reação, que eles só estão tomando esse poder porque muitos grupos que eles não pensam que deveriam ter esses privilégios estão tendo, mas consequentemente esse grupos vão fazer mais barulho nós vamos continuar fazendo barulho. Acho que é um projeto de sociedade que nega talvez o que eu acho que tem de mais incrível que é o encontro. Encontro entre o velho e o novo, o masculino e o feminino, o preto e o branco, o pobre e o rico e esses “atlantic plaza residence” negam exatamente isso. Então os Diegos são muitos, mas as Julias e os Tomazes são muito também e estamos fortes para tomar de volta.

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Fotógrafa, publicitária, traça de livros e apaixonada por cinema.

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