Redefinindo os padrões da definição de workaholic, o ator James Franco talvez seja mais do que isso, já que, como cinéfilo, tem a sorte de viver de sua maior paixão. Depois de trabalhar em mais de 10 produções somente em 2017 e com mais 10 já engatilhadas para 2018, Franco deverá reduzir brutalmente sua rotina de projetos Artista do Desastredepois de ser acusado de assédio sexual, o que já está impactando em sua imagem na atual temporada de premiações com este Artista do Desastre (que lhe rendeu um Globo de Ouro, mas pode ficar de fora do Oscar).

Porém, independente do comportamento do ator fora das telas, como Crítico de Cinema, me aterei à função de analisar apenas seu desempenho, deixando claro desde já o meu repúdio a esta conduta desprezível pela qual Franco tem sido denunciado.

Dito isso, com uma carreira consolidada e premiada como ator, o astro vinha de uma série de tropeços como diretor, incluindo duas adaptações mambembes de William Faulkner, e patinava para se firmar. Prolífico e com uma determinação admirável, James Franco não desistiu e continuou tentando até finalmente acertar (em cheio) com O Artista do Desastre, que conta (ironicamente) os bastidores de um dos piores filmes já produzidos: The Room, do controverso cineasta Tommy Wiseau e seu amigo Greg Sestero. De tão ruim, The Room acabou ganhando fama por divertir (involuntariamente) seus espectadores, alçando a película ao status de cult, enquanto seu diretor ganhava os louros por uma obra cuja falta de qualidade já era prenunciada durante suas filmagens.

Adaptado do livro escrito pelo próprio Sestero, o roteiro da dupla Scott Neustadter e Michael H. Weber (a mesma de A Culpa é das Estrelas) vai além daquelas conturbadas filmagens, contando a origem da parceria de Wiseau e Sestero, que se mudaram para Los Angeles a fim de seguirem o sonho de serem atores. Claro que a personalidade única de Wiseau acaba atraindo o protagonismo: usando seus inseparáveis óculos escuros quase que o tempo todo, Wiseau ostenta um visual diferenciado, que vai desde seus longos cabelos negros e olhos azuis até um estilo de se vestir que frequentemente o leva a ser chamado de “vampiro” pelas pessoas que o cercam. Além disso, sua risada peculiar e o misterioso sotaque que ninguém consegue afirmar a origem, lhe conferem uma aura excêntrica que, graças à brilhante performance de James Franco (que comentarei mais profundamente a seguir) jamais o afasta do público, pelo contrário, gerando simpatia e até mesmo empatia. Por isso, sua prepotência, ao invés de transformar-se em arrogância, revela apenas um sujeito que é incapaz de enxergar as consequências de comandar um filme sem saber sequer “quantas páginas possui um roteiro” ou a diferença de película para digital. Por consequência, essa determinação fadada ao fracasso contribui para mostrar a dimensão de sua paixão pelo Cinema e pela Atuação, mesmo sem possuir o menor talento para ambas as artes.

E como já escrevi, James Franco é brilhante ao converter Tommy não numa figura pedante e desprezível, e sim num homem passional e até certo ponto ingênuo, não hesitando em apoiar Greg Sestero (vivido por Dave Franco, irmão de James), seu único amigo, ou lhe oferecer a oportunidade de perseguir seu sonho. Captando o jeito de falar (principalmente o sotaque indefinido), os trejeitos e até mesmo a risada exótica, James se transforma em Tommy Wiseau e a verosimilhança de sua caracterização fica ainda mais impressionante quando, durante os créditos, vemos os dois lado a lado. Abordando o narcisismo de Wiseau com objetivos cômicos, Franco não tem a menor dificuldade em utilizar seu ótimo timing para provocar risadas, aproveitando as divertidas tiradas do roteiro para converter o personagem numa verdadeira metralhadora de piadas.

O roteiro também merece elogios, principalmente pela habilidade dos roteiristas em construir uma estrutura narrativa relativamente complexa, mas que em nenhum momento soa incompreensível, permitindo que o espectador entenda a linha temporal e suas elipses sem dificuldade. A dupla, inclusive, demonstra inteligência o bastante para perceber que grande parte do humor de O Artista do Desastre reside em Tommy Wiseau e sua relação com o que o rodeia, reservando seus esforços para garantir que as piadas surjam organicamente em função das situações que são criadas, e não o contrário. Sendo assim, o roteiro não tem a necessidade de incluir uma tirada a cada minuto ou colocar os personagens em situações constrangedoras, deixando o humor fluir naturalmente.

Falando em “fluir naturalmente”, o ritmo do filme é impecável, méritos para a montagem de Stacey Schroeder cujo trabalho garante a fluidez da trama, ao mesmo tempo em que contribui para o compasso acelerado do humor da produção. E se a trilha sonora do filme é competente ao usar famosas músicas dos anos 90 e 2000 para situar a trama (com destaque para o hit Rhythm of the Night, da brasileira Corona), a direção de James Franco evidencia a maturidade de um cineasta em óbvia evolução: seguro, Franco usa a técnica da ‘câmera na mão’ para emular uma estética de documentário que vai de encontro à proposta na narrativa, enquanto demonstra uma generosidade diametralmente oposta à do protagonista, permitindo que seu irmão e outros membros do elenco brilhem também.

Dave Franco, particularmente, mostra-se desconfortável como Greg Sestero, o que pode ser fruto de sua composição, corroborada por suas reações às atitudes de Wiseau, mas suas limitações ficam ainda mais escancaradas quando tem de dividir a cena com seu irmão. E ainda que beneficie-se de um apropriado tom inseguro, Dave é completamente ofuscado por James, ao passo que Seth Rogen provoca boas gargalhadas na pele do diretor de fotografia de The Room. Aliás, o elenco secundário da produção traz uma série de estrelas em pequenas participações, como Sharon Stone, Melanie Griffith, Josh Hutcherson e Zac Efron, com destaque para a ótima cena de Jackie Weaver (do excepcional O Lado Bom da Vida), que tem a melhor fala do filme e que define bem o sentimento do Ator: “O pior dia num Set de filmagens é melhor do que o melhor dia em qualquer outro lugar.

Reverberando a máxima de que é impossível atingir o ápice em Hollywood (ou em qualquer lugar) sem trabalhar durou ou se dedicar, o que é refletido nas posturas opostas de Sestero e Wiseau, O Artista do Desastre reserva um último momento de brilhantismo ao ilustrar quase que literalmente outra máxima e que diz muito sobre The Room, e consequentemente, qualquer filme: a de que “qualquer reação/sentimento é melhor do que nenhuma reação/sentimento”. Isto é, Wiseau pode até não ter tido a intenção de provocar risos, levando-se a sério demais até, mas ao menos conseguiu uma (forte) reação de quem assistiu ao seu filme, coisa que hoje em dia muito cineasta ainda não conseguiu, principalmente tratando-se do humor.

Espetacularmente divertido, Artista do Desastre é um raríssimo exemplar de comédia que além das risadas quase ininterruptas, provoca reflexão, beneficiando-se de um roteiro inteligente e nada apelativo. Sem sombra de dúvidas, uma das melhores comédias da década.

Observação: Há uma imperdível cena pós-créditos.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...