Consagrada tanto no Brasil como em Hollywood, Sonia Braga conquistou um nível de prestígio até então inédito para uma atriz brasileira. Além de protagonizar alguns dos maiores Aquarius Sonia Bragasucessos do Cinema nacional (como Dona Flor e Seus Dois Maridos e Tieta do Agreste), também esteve em produções estrangeiras de renome, como o premiado O Beijo da Mulher Aranha e a série Alias: Codinome Perigo. Entretanto, mesmo com uma carreira prolífica e bem-sucedida, Braga ainda não havia conquistado um prêmio importante. Digo “havia”, pois Aquarius pode ser sua grande chance de mudar essa história.

Escrito e dirigido por Kléber Mendonça Filho (do excelente O Som ao Redor), o filme acompanha a história de Clara, desde a sua juventude, passando pela superação de um câncer de mama, até chegar aos dias atuais onde, aos 65 anos, continua vivendo no mesmo prédio de décadas atrás. O edifício que dá nome ao filme, porém, está sendo adquirido por uma construtora que, através da figura de um influente empresário e seu determinado filho, tenta a todo custo convencer Clara a vender seu apartamento, o único ainda ocupado. Recusando todas as propostas sem ao menos lê-las, ela não se vê disposta a se desprender de todas as recordações que seu lar lhe proporciona, e, com isso, acaba entrando num perigoso jogo onde os inescrupulosos engenheiros farão de tudo para tirá-la de lá.

Interpretada com brilhantismo por Sonia Braga, Clara é uma senhora de gostos requintados que vive uma rotina de idas à praia e tardes regadas a muita música. Ainda exibindo o mesmo vigor da juventude, ela mantém o hábito de ir a bailes, sempre cercada por amigas. Mas, talvez a grande virtude de Clara (e muito graças à atuação de Braga) seja o fato de ser intensa e graciosa ao mesmo tempo, revelando uma composição complexa e delicada por parte da atriz.

Sonia Braga, aliás, domina a tela, exibindo uma presença de cena que em nada deixa a desejar seus tempos áureos. Construindo Clara como uma pessoa firme em suas convicções, mas sempre disposta ao diálogo, Braga oferece uma atuação tão fascinante que nem seu diretor resiste em coloca-la em quase todas as cenas. Além disso, é preciso destacar a simplicidade de sua personagem que não hesita em comparecer à festa de aniversário de sua empregada doméstica, por exemplo, exibindo uma grandeza de caráter que só faz aumentar nossa admiração.

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O diretor Kléber Mendonça Filho também demonstra imenso talento na construção de simbolismos, como ao mostrar a protagonista com cabelo curto na juventude (reflexo de sua luta contra o câncer) e depois ao focá-la soltando seus longos cabelos em sua gloriosa primeira aparição nos dias atuais. Investindo também num discurso que confere importância e peso às memórias, o cineasta também encontra espaço para discutir a evolução da tecnologia, numa divertida cena em que Clara concede uma entrevista explicando porque prefere discos de vinil ao invés de arquivos digitais.

E essa discussão sobre o peso da memória (velho) e a falta de significado cada vez maior do moderno (novo) tem ressonância no embate entre Clara e Diego, o jovem engenheiro determinado a convencê-la a vender seu apartamento. Ambos determinados em suas atitudes, os dois são praticamente uma representação física dessa discussão. E se Diego abandona toda a sua natureza aparentemente passiva para se entregar a um discurso preconceituoso e que apenas revela sua natureza de garoto mimado, Clara finalmente se entrega a impulsos mais intensos quando percebe que nem a sua idade e, principalmente, sua vontade parecem ter importância para o seu rival, numa cena-chave em que tanto Sonia Braga, como Humberto Carrão merecem os mais fartos elogios.

Carrão, por sua vez, tem a oportunidade perfeita para provar seu talento que, aqui, fica mais do que evidente. Exibindo constantemente um falso sorriso que beira o deboche, seu Diego é um indivíduo inteligente e competente no que faz, mas que tem dificuldade para sustentar seu disfarce de jovem com apetite voraz pelo sucesso, não demorando muito para revelar toda a ganância que guia suas atitudes.

Oferecendo uma experiência dinâmica e singela, Aquarius é um filme complexo em suas discussões, mas bem simples nos sentimentos que procura representar. Uma obra que também será lembrada pela tocante performance de sua lendária protagonista.

Author

Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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