expresso do amanhã cartazEssa é a era em que o futuro é percebido, sob muitos aspectos, negativamente. As crises são diversas (econômicas, sociais, entre outras) e, pior, são mundiais. Houve um momento em que a sétima arte previa o fim do mundo numa guerra. Hoje, ela por vezes prevê um grande colapso causado pela intervenção humana na natureza.

Outro evento previsto são as distopias. Não que elas não existam em realidade; basta querer para encontrá-las. Mas em Expresso do Amanhã, a distopia é mostrada de maneira que a diferença de tratamento entre as classes é gritante, e o que é mais incômodo é que essas diferenças são também facilmente associadas ao cotidiano.

Em Expresso do Amanhã, o mundo (pelo menos, a parte habitada pela humanidade) resume-se a um trem em movimento, um trem de vidas condenadas ao cárcere e a própria loucura. Os vagões do trem determinam as classes sociais dos passageiros. Essa divisão em castas surgiu no embarque, enquanto o planeta era tomado por uma espécie de Era do Gelo, e o trem tornou-se a única atmosfera habitável: na frente, entraram os que pagaram pela passagem e, no último vagão, os que por sorte conseguiram invadir. É uma existência cruel: quem desafia a ordem é brutalmente punido fisicamente. Os presos são mantidos vivos em gavetas como corpos no necrotério.

A trama inicia a partir de uma revolução planejada pelos moradores do vagão de carga, que pretendem tomar a frente da locomotiva invadindo suas seções. No caminho, descobre-se que as barras de proteínas que alimentam os mais pobres eram feitas de insetos, o que a elite acredita que essas pessoas sejam; da mesma forma como, em qualquer lugar do mundo, os menos afortunados são ignorados na ordem social. Em um dos compartimentos, um grupo de assassinos armados com machadinhas espera, assim como em realidade banalizamos a brutalidade, especialmente quando seu alvo é considerado de menos consequência.

expresso do amanhã

Com uma refém, a classe mais baixa atravessa os vagões seguintes, em que outros tipos de absurdos aguardam, como o vagão de escola, todo colorido, em que a professora aliena os alunos ao explicar que Wilford, criador do trem, era o salvador da humanidade.

O pior e o melhor do homem aparecem juntos, na prisão de um trem que, apesar de surgido para salvá-los, condena todos a bordo. Nas palavras de Wilford, é necessário um pouco de insanidade na sobrevivência como um passageiro.

Na sala do motor, crianças são exploradas e tratadas como engrenagens da grande máquina. O “maquinista”, Wilford, tem a capacidade de sentir-se só ao isolar-se ali, o que remete à maneira como muitas vezes, principalmente nas grandes cidades, somos capazes de nos isolar e sentir sozinhos em meio à multidão. Não conhecemos nem nossos vizinhos; por que nos importaríamos com crianças com quem não temos nenhuma relação?

A sobrevivência do mais forte, a mentira que nos mantém vivos, canibalismo, podridão… Esse filme incomoda ao jogar na cara, dentro de um cenário fictício, realidades com as quais convivemos e que preferimos ignorar. Mais curioso: apesar das evidências de que é possível sobreviver fora da locomotiva, as pessoas hesitam em sair, como no Mito da Caverna. Contentam-se em observar, pela janela, os esqueletos da vida que jaz enterrada pela neve,  ignorância e hubris de nossas ações.

Esse expresso do horror, da realidade, do hoje e do amanhã, é um filme que incomoda na medida em que é difícil distanciá-lo da ficção.

Author

Universitária, escritora de contos presos na gaveta, nerd e "apenas uma dessas pessoas estranhas".

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