incrivel historia adeline cartazA história da protagonista Adaline Bowman (Blake Lively) caberia perfeitamente em uma fábula. Bastaria que a protagonista se transformasse em uma figura antropomórfica e pronto. Teríamos uma fábula explicando ao público jovem os efeitos do tempo sobre as pessoas e o significado do amor verdadeiro.

E não seria exagero transformar Adaline em um coelho por quem Ellis Jones (Michiel Huisman) se apaixona, afinal de contas a protagonista sofre um acidente aos trinta anos de idade no começo do século XX e chega a 2014 sem nenhum sinal de envelhecimento. Assim, os dois iniciam um romance que tende a ruir como todos os relacionamentos anteriores de Adaline, pois é limitada a viver o presente sem planos para o futuro, ou teria que contar seu segredo e correria o risco de cair nas mãos do governo (leia-se aqueles-misteriosos-agentes-de-Arquivo X).

Roteiro original coescrito por J. Mills Goodloe e Salvador Paskowitz, a história depende de tantas coincidências pra funcionar que mesmo narrativas infantis soam mais complexas (o motivo da entrada de Harrison Ford na história é um insulto à inteligência do espectador. Até mesmo os personagens acentuam o constrangimento que a cena causa). Numa tentativa frustrante de criar uma base científica para o fenômeno que acontece com Adaline, os roteiristas acabam investindo em uma narração em off que mais expõe as falhas do roteiro do que avançam com a história. A partir daí, entregam a história a um melodrama insosso e recorrem a flashbacks para tapar todos os buracos.

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O que é um desperdício para o bom trabalho do diretor Lee Toland Krieger, que consegue bons planos aproveitando a fotografia de David Lanzenberg e as belas locações onde se passa a história e extrai ótimas interpretações do elenco principal, especialmente Lively e Huisman que não empalidecem diante dos veteranos Ford e da sempre intensa Ellen Burstyn. Lively consegue compor uma personagem interessante, uma mulher centenária no corpo de trinta anos.

A serenidade que emprega em suas ações e a doçura com que segura a última sílaba de suas frases deixam Adaline agradável e de fácil empatia, o que é fundamental para criar interesse no espectador. Algo semelhante acontece com Huisman, que cria um Ellis muito mais interessante do que o personagem concebido no roteiro, afinal, não fosse uma ótima interpretação do ator, veríamos um enfadonho príncipe encantado, um sujeito inacreditavelmente perfeito que só poderia estar em um filme de uma mulher que não envelhece.

O fato é que a dinâmica dos dois funciona bem. Adaline tem a sabedoria adquirida por toda vida que se completa a todo o conhecimento de Ellis como pesquisador, e isso torna o romance dos dois muito mais interessante do que simplesmente uma atração física que limita atrizes e atores a serem bonitos e atraentes. Toda a experiência de Adaline é muito bem explorada pelo design de produção do experiente Claude Paré, que utiliza objetos antigos e fotos para construir sua sabedoria, sem que o roteiro precise apelar para diálogos expositivos além das medonhas narrações ao longo do filme.

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Em alguns momentos surgem livros que dão pistas sobre referências, entre eles um escrito por Ray Bradbury, um exímio autor nesse tipo de fantasia, em especial os contos onde marcianos se relacionam com terráqueos. Outra dinâmica interessante é entre Adaline e sua filha, fisicamente muito mais velha, vivida por Burstyn (curiosidade: a atriz também interpretou a filha de McConaughey em Interestelar). Outro aspecto positivo do filme é a mudança do figurino da protagonista a partir do momento que conhece Ellis. A personagem evolui muito mais motivada pela paixão do que durante os anos em que viveu na angústia de não poder compartilhar qualquer plano de vida.

Vale pelo aspecto visual e pelas boas interpretações dos atores. Os pontos positivos acabam superando os negativos, mas não dá pra esconder que o roteiro tem uma boa história mal contata. E que se entrega levemente a um moralismo sobre o que é o amor puro. Ah… sim: entre uma mulher que não envelhece e um príncipe encantado do século XXI.

Author

Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.

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