filha distante cartazProdução argentina de 2012 com o título “Días de Pesca”, aqui traduzido sem nenhuma razão para “Filha Distante”, o longa de Carlos Sorin é um trabalho de encher os olhos. Não apenas pelas belas locações, mas pelo cuidado do diretor ao narrar a redenção de um sujeito amargurado durante suas férias pela Patagônia.

O protagonista é Marco Tucci, que parte ao sul argentino em seu carro com dois objetivos: pescar tubarões e encontrar a filha que não vê há muito tempo. Sem muito planejamento para sua viagem, logo no início já o vemos parado na estrada aguardando a chegada de combustível quando conhece um treinador de boxe com o mesmo destino para que sua atleta dispute uma luta importante.

Esse é o primeiro paralelo do engenhoso roteiro de Sorin, que moverá a narrativa adiante com boas rimas temáticas e visuais. Por exemplo, o espectador saberá que no sábado a noite a boxeadora terá seu confronto, mas acompanharemos o protagonista em outro lugar com outra pessoa. Quando virmos o resultado da luta no dia seguinte, temos a perfeita dimensão do que representa aquela metáfora, afinal representa o estado sentimental do protagonista.

O grande destaque no roteiro é como lidar com as dificuldades de se pescar um tubarão e reatar com a filha depois de tanto tempo. Nesse sentido, Sorin é coeso, responsável e inteligente. Não apela para soluções fáceis, cria o terreno hostil tanto no mar quanto na casa de Ana Tucci com um profundo respeito aos sentimentos dos personagens. O roteiro ainda repete elementos em diferentes situações, como o “vento que nunca para” ou a falta de ar de dois personagens em situações completamente diferentes.

O elenco se sai muito bem, em especial o experiente Alejandro Awada como Marco Tucci. Cada expressão facial do ator diz mais do que qualquer diálogo expositivo (e são muitos). A maneira que decide sorrir a um grupo de jovens aventureiros ou ao divertido treinador de boxe Oscar Ayala que dispara suas palavras com a velocidade de um pugilista mostra a entrega de Tucci às pequenas coisas da vida, mas já como espectador. Victoria Almeida vive a filha Ana Tucci e sabe equilibrar muito bem os sentimentos de sua personagem que recebe a inesperada visita do pai (note sua reação ao receber um presente).

filha distante

Do ponto de vista estético, Filha Distante é impecável. O diretor emprega lindos planos abertos em locações espetaculares para que acompanhemos a privacidade do protagonista e quando muda para planos mais fechados, sugere que somos a única companhia da viagem, já que mais de uma vez posiciona a câmera no banco do passageiro, do lado oposto da mesa em um jantar ou fixa na proa de um barco para que tenhamos a mesma vertigem de Tucci durante sua viagem em alto mar.

A cinematografia de Julián Apezteguia é um dos pontos fortes do filme. Dois momentos muito especiais são marcados pelo uso de cores e pela disposição de navios. O primeiro é uso da cor laranja na residência da filha de Marco, que remete diretamente ao colete de salva-vidas que ele usará ao entrar na pequena embarcação. Narrativamente, a casa da filha é a única proteção que ele busca na vida depois de enfrentar um grave problema de saúde e na eminente ameaça que sente em seu trabalho. O segundo momento é o plano final, que me reservo a apenas a dizer que a disposição e a quantidade dos navios ali rementem diretamente à busca do protagonista – o que é uma bela maneira de terminar o filme.

Confesso ainda não saber se este é um longa triste com um final feliz ou um longa feliz com um final triste. Sim, dá pra ter as duas impressões e dependerá muito do espectador e suas experiências para decidir como sentir o belo filme de Carlos Sorin. De uma forma ou de outra, é um filme belo do início ao filme.

Author

Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.

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