trinta cartazMeu sentimento ao sair da cabine de Trinta foi de plena satisfação. Além de ter assistido a um belíssimo e empolgante filme, a sétima arte ainda me fez aumentar o respeito e apreço pelo Carnaval, festa da qual nunca fui admirador, nunca participei e confesso manter uma certa distância de quaisquer notícias a respeito dos preparativos e também da apuração das notas que pra mim sempre soaram sujas e passíveis de corrupção.

Meu distanciamento se deu basicamente por dois motivos: meu gosto musical e minha percepção de que as escolas de samba tinham (e ainda têm) em sua diretoria contraventores de toda natureza (até aí, o mesmo vale pra torcidas organizadas, partidos políticos e bancos famosos, não é?). Então este excelente filme de Paulo Machline não esconde a natureza das escolas de samba (no Salgueiro, um bicheiro dirige a escola) e, através da construção de Joãozinho Trinta, mostra a essência das artes por trás da formação de um desfile, o que inclui desenhos, esculturas, dança, artesanatos, música clássica, teatro e literatura, tudo intimamente ligado para contar um enredo desenvolvido por um artista magnífico.

Matheus Nachtergaele vive Joãozinho Trinta, um sujeito que vai ao Rio de Janeiro em busca de trabalho e que encontra oportunidade para ingressar na companhia de ballet municipal. Bailarino, emigrante, de baixa estatura e de temperamento passivo, João precisa vencer discriminações de toda a natureza para conseguir se estabelecer profissionalmente, o que consegue depois de muito esforço e aperfeiçoamento do seu talento artístico. Escrito por quatro pessoas, o roteiro aborda a vida de João desde sua primeira oportunidade no ballet até o seu primeiro desfile como carnavalesco, sendo a maior parte da projeção dedicada aos desafios de construir um enredo em pouco tempo após a demissão de Pamplona (Paulo Tiefenthaler) do cargo na Salgueiro.

Dos muitos acertos, a cinematografia maravilhosa de Lito Mendes da Rocha investe na paleta que remete ao surreal com uso verde e vermelho para narrar toda a história de João, como se ele mesmo viesse de um conto, de uma fábula. A medida que sua história se mistura na figura do carnavalesco titular, Lito investe nas cores que marcaram o desfile daquele ano, com a predominância do laranja nos carros alegóricos e nas fantasias, e toda essa harmonia garante um espetáculo visual digno de um filme sobre o Carnaval.

Como a festa remete à alegria e à música, o trabalho André Abujamra tem papel fundamental na narrativa, tanto na construção do personagem de Trinta, cuja origem no ballet clássico é representada também pelos fortes acordes que acentuam as dificuldades enfrentadas pelo bailarino, quanto na transição desse artista para a figura do mais importante carnavalesco que o Brasil já teve. Note a genialidade de Abujamra ao incluir uma transição do clássico ao samba para acompanhar essa passagem durante o ensaio final da escola.

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Cada detalhe é registrado pelo diretor que investe em planos fechados em objetos de escritório pra mostrar a burocracia no começo da carreira de João e que formam um contraste com os detalhes na arte, na concepção dos desenhos do artista, na construção das alegorias e fantasias. E mesmo antes disso tudo se tornar realidade, Machline acerta em cheio com um close no rosto de Trinta quando entra no barracão pela primeira vez.

Ótima e ágil montagem na construção da carreira do protagonista, os montadores não perdem tempo mostrando cada degrau que o levou a ter a reputação para ser convidado a assumir o cargo de carnavalesco, o que também vale para os muitos planos subjetivos durante a construção do enredo, que resgata muita coisa da sua infância na terra natal.

Todo o elenco está excelente, com destaque para a talentosa Paolla Oliveira que faz a esposa de Pamplona (com um excepcional trabalho de figurino e maquiagem) e Milhem Cortaz que entrega uma ótima performance que só é levemente prejudicada no terceiro ato que parece esquecer de fechar o arco do personagem, mas que não afeta em nada a qualidade final do filme.

É uma cinebiografia maiúscula, com todo cuidado técnico, com uma maravilhosa trilha sonora e interpretações na medida certa (há um momento engraçadíssimo de Matheus perdendo a linha que… bem… veja você mesmo!). É um filme que deve ser visto nos cinemas para que você possa apreciar tanto os aspectos visuais quanto musicais.

Author

Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.

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