Uma jovem datilógrafa procura seu novo local de trabalho até descobrir ser um quarto. Ela entra e fecha a porta enquanto se vê envolta da mais densa escuridão. o destino de uma naçãoAo fundo, vemos uma luz proveniente de um fósforo, acendendo um charuto e cuja claridade revela ninguém mais, ninguém menos, do que Winston Churchill, que não hesita em já dar uma tarefa à moça sem, sequer, trocar algumas palavras antes. Trata-se de uma introdução grandiosa, perfeitamente apropriada para uma figura que não demorou a conquistar o status de mito. Afinal de contas, estávamos diante de Churchill.

Construindo um suspense eficiente e que só reforça a aura grandiloquente do estadista, O Destino de uma Nação já tem início apresentando seu contexto histórico, quando a Alemanha ampliava seus domínios na Europa e avançava perigosamente em direção à Grã-Bretanha. Com a queda de países aliados e a iminência de um ataque, o Parlamento inglês via, com desespero, a necessidade de eleger um líder capaz de guiar a nação em tempos de guerra, coisa que Neville Chamberlain provou ser incapaz. Entre os nomes discutidos, o de Churchill surgia como um improvável antídoto, o que preocupava aliados e opositores, que não enxergavam outro candidato. Com o novo Primeiro-Ministro, a Inglaterra via-se num cenário nebuloso e que mergulhava a população numa atmosfera de incertezas e receios. Era só o começo do desafio de Churchill.

Contando com um trabalho de maquiagem absolutamente extraordinário, Gary Oldman encarna Winston Churchill com a mistura perfeita de carisma e insegurança, conferindo uma humanidade essencial para um personagem que, nas mãos de alguém menos talentoso, poderia facilmente ser convertido numa presença histriônica e distante. Ademais, Oldman capta com maestria não só o jeito de andar e a voz de Churchill, como recria, até mesmo, a forma de falar e suas inflexões, oferecendo uma performance camaleônica e assustadoramente convincente. Assustadora, aliás, é a capacidade do ator inglês em interpretar um homem idoso, investindo numa fala pausada, frequentemente vacilante, e simulando dificuldade ao se levantar de cadeiras, apesar do caminhar de passos rápidos, determinados e que dizem muito sobre sua personalidade. E é curioso ver como o evidente alcoolismo de Churchill é retratado pelo britânico não como um recurso gratuito, mas sim como um instrumento que realça a pressão a qual está submetido.

Fazendo jus à performance central, a direção do também britânico Joe Wright (responsável pelos ótimos ‘Orgulho e Preconceito’ e ‘Desejo e Reparação’) traz uma abordagem moderna e estilizada, empregando tomadas aéreas que, mesmo que repetitivas, dão um frescor a uma história que se passa quase que inteiramente em salas fechadas. Além disso, Wright cria ótimos planos em câmera lenta acompanhados da excelente trilha sonora de Dario Marianelli (vencedor do Oscar por ‘Desejo e Reparação’), quando oferece uma nova perspectiva ao permitir o deslocamento horizontal da câmera.

Já a fotografia de Bruno Delbonnel (Inside Llewyn Davis) oferece enquadramentos que são dignos de serem emoldurados, como ao colocar Churchill constantemente isolado em cena (com destaque para o plano em que encontra-se cercado pela escuridão enquanto mantém uma conversa por telefone num pequeno aposento). Delbonnel também é competente ao construir uma atmosfera claustrofóbica para as inúmeras salas que surgem durante a projeção e que são palco dos mais variados diálogos.

Diálogos estes que, em contrapartida, correspondem ao calcanhar de Aquiles do filme, já que o roteirista Anthony McCarten (do mediano A Teoria de Tudo) abusa da exposição para transmitir informações entre os personagens, convertendo várias das conversas em momentos artificiais e que comprovam uma alarmante falta de sutileza, que, por sua vez, é corroborada por uma passagem que coloca a esposa de Churchill para escancarar suas dificuldades financeiras, mas abandona o recurso logo em seguida. E o que dizer da constrangedora sequência que se passa num vagão de metrô, cuja natureza artificial só denuncia seu caráter esquemático e frágil? Outro ponto fraco da narrativa reside em Elizabeth Layton (Lily James, do ótimo Em Ritmo de Fuga), que em nenhum momento consegue disfarçar sua função de representar o público na trama, desempenhando um papel dramaticamente descartável e nulo.

E se Kristin Scott Thomas (do extraordinário The Party) empresta seu talento para a pouco aproveitada presença de Clemmie, esposa de Churchill, Ben Mendelsohn (o vilão de Rogue One) tem maior sucesso ao interpretar o Rei George VI, conferindo tridimensionalidade ao monarca e enriquecendo sua interação com o Primeiro-Ministro, o que culmina numa delicada conversa entre os dois num ambiente mais modesto.

Encerrando a projeção com um dos momentos mais emblemáticos da carreira de Winston Churchill, O Destino de Uma Nação é um cinebiografia de época que se destaca pelo seu bom humor e pelo estilo ágil adotado por seu diretor, mas que deve grande parte de seu sucesso à soberba atuação de Gary Oldman, capaz de contornar os equívocos do roteiro com talento e carisma. Dificilmente será o filme definitivo sobre a trajetória de Churchill, mas duvido que surja uma interpretação mais marcante do que a vista aqui.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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