Dono de uma versatilidade invejável, Hugh Jackman é um dos atores de carreira mais eclética ainda em atividade. Após despontar em 2000 como o Wolverine de X-Men – O Filme, fez filmes de ação (como o regular A Senha: Swordfish), comédias românticas (o simpático Kate e Leopold) arriscou-se na controversa ficção científica Fonte da Vida (de Darren Aronofsky) e até trabalhou com Woody Allen no fraco Scoop – O Grande Furo.

Claro que acabou por mergulhar de cabeça nos blockbusters (só como Wolverine foram 8), mas isso não o impediu de estrelar suspenses menores (A Lista e Os Suspeitos) ou emprestar sua voz para animações (Por Água Abaixo e A Origem dos Guardiões), porém o ator australiano só veio a estrelar um musical em 2012 (o contestado Os Miseráveis), cujo convite só veio depois de sua arrasadora performance como apresentador do Oscar 2008, onde exibiu seus dotes como dançarino e cantor sob o tema do retorno dos musicais. Agora com seu talento reconhecido, Jackman tem a chance de ratificar a imagem do showman que é, assumindo, curiosamente, o papel de um dos maiores showmen de todos os tempos: o mítico P.T. Barnum.

Escrito por Jenny Bicks (Rio 2) e pelo veterano Bill Condon (de musicais como Dreamgirls e A Bela e a Fera), o longa-metragem baseado em fatos reais acompanha a trajetória de Barnum (Jackman), o homem que  superou suas dificuldades financeiras através da ousada ideia de investir num espetáculo cujos protagonistas são figuras marginalizadas, como anões e negros, o que mais tarde evoluiria para o Circo como conhecemos hoje. Centralizando o primeiro ato na origem humilde do protagonista, percebemos que, além de um notável empreendedor, Barnum também era um talento nato, embora seu sucesso o tenha distanciado de sua família.

Provando ser um artista completo, Hugh Jackman canta, dança e se diverte em cena, fazendo parecerem fáceis todas as suas performances. Encarnando seu papel com uma paixão contagiante, o ator domina inquestionavelmente suas cenas, executando com graça suas coreografias e exibindo o mesmo talento vocal demonstrado em Os Miseráveis. Seu carisma também é essencial para gerar empatia com o espectador e, nisso, o australiano é arrebatador.

O restante do elenco também não decepciona: Zac Efron, já um veterano dos musicais (mesmo com a pouca idade) está confortável no papel de uma astro representante da elite. É justamente esse personagem que levará a uma subtrama envolvendo um romance interracial (impensável para a época retratada). E se Efron não é capaz de entregar a carga dramática exigida, ao menos compensa com esforço e entrega (principalmente nos números musicais), ao passo que Zendaya tem a chance de provar seu talento num papel maior que em Homem-Aranha: De Volta ao Lar. Já Michelle Williams (Manchester à Beira-mar), além de ser pouco exigida como a esposa de Barnum, protagoniza um número musical questionável. Rebecca Ferguson (excepcional em Missão Impossível – Nação Secreta) em contrapartida, brilha como Jenny Lind, “O Rouxinol Sueco”, mas acaba sabotada pelo batidíssimo conflito de sua personagem.

Aliás, as maiores falhas de O Rei do Show residem justamente em seu roteiro, já começando pela sua previsível estrutura narrativa que constrói o arco dramático de Barnum sem o menor compromisso com a originalidade. As convenções também são abundantes, e irrita o número de clichês no desenvolvimento da trama, que depende demais de conflitos bobos. Felizmente, os roteiristas são hábeis ao elaborar diálogos elegantes e que conseguem dizer muito sobre os personagens e de forma econômica, como na conversa entre Barnum e um crítico, em que o artista faz pouco caso de um comentário negativo:

“Se já ouviu falar de mim, então ou acertei ou fiz algo de muito errado, já que na publicidade não há diferença”.

Trazendo referências sutis à crise econômica global, o diretor estreante Michael Gracey mostra que ainda tem muito a aprender, mas tem humildade suficiente para ater-se ao “feijão com arroz”, limitando-se a um estilo que, acertadamente, não chama atenção para si, deixando os holofotes para as sequencias musicais, que escancaram a preocupação do cineasta em facilitar a compreensão do espectador acerca do que está em cena, num esforço em conjunto com os seis montadores (isso mesmo, SEIS).

Investindo em belos raccords, a montagem não compromete o projeto, mas pouco contribui para seu sucesso, já que os conservadores cortes nos números musicais impedem uma apreciação plena de suas coreografias (problema contornado pelo recente La La Land, por exemplo) e não injeta energia (como no inesquecível Moulin Rouge – Amor em Vermelho), ganhando pontos apenas por conseguir manter o ritmo e permitir que o espectador entenda o que está vendo.

E já que citei Moulin Rouge, o design de produção de Nathan Crowley (de Interestelar e Dunkirk) é uma leve mistura do estilo de Baz Luhrmann (do supracitado Moulin Rouge) com o de Tim Burton, o que, dada a disparidade entre estes, acaba sendo um tanto quanto problemático. Caso optasse por seguir apenas um, a produção certamente ganharia muito mais, no entanto, acaba não sendo colorido o bastante como o filme de Luhrmann (sem mencionar a energia surreal daquele filme) e nem sombrio como o Sweeney Todd de Burton (embora trate de um tema comum a este. Em outras palavras, esse meio termo faz com que a vivacidade da performance de Hugh Jackman aliada às boas canções originais, jamais encontre eco na direção de arte ou na fotografia do competente Seamus McGarvey (do bom Anna Karenina) que, verdade seja dita, merece aplausos pela boa utilização do matte.

E já que citei as canções, óbvio carro-chefe do filme, Benj Pasek e Justin Paul (dupla vencedora do Oscar por La La Land) fazem um bom trabalho em composições que movem a trama e ainda tecem comentários sobre sonhos, preconceito e a auto aceitação, que, por sinal, é o tema de “This is me”, cuja letra é a mais bem polida e que tem boas chances de aparecer em premiações. Outra que merece destaque é “The Greatest Show” que abre a produção com um ritmo empolgante e a encerra de um jeito apoteótico, completando o crescente almejado por Pasek e Paul. O ponto negativo fica por conta da deslocada sequência protagonizada por Michelle Williams, que destoa de todas as outras.

Sofrendo pontualmente com a maquiagem barata e com um terceiro ato excessivamente corrido, O Rei do Show é um musical que, embora não seja brilhante, é eficaz, agradável e que ainda beneficia-se (e muito) de seu extraordinário protagonista, ao mesmo tempo em que traz um belo discurso de inclusão e transmite uma mensagem universal e que se faz cada vez mais necessária nos dias de hoje.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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