Pleno dia das mães. A família toda combinou de ir ao SESC Pompeia para almoçarmos: mães, filhos, pais, netos, netas, vovós, todos juntos num espaço onde temos encontrado certo porto seguro artístico-cultural e de convivência, onde todos se inserem e convivem.

Assim como tal ideia se concebeu em nossas cabeças, dado o tamanho da fila e o movimento na instituição, esta se concebeu nas cabeças de muitas outras famílias paulistanas.

Nosso dia das mães começou em clima de excelência com uma peça de teatro infantil em formato de musical de nome “Filminho”, onde música de qualidade, passando por jazz, blues, ritmos dos anos 20, 40, 60, muito bem tocados e cantados, se misturava com o universo do lúdico infantil de forma maravilhosa. Parabéns aos artistas que fizeram nossas crianças grudarem seus olhos e cantarolarem durante todo o espetáculo.

homem na bolha SESCNa sequência, nos deparamos com o mistério de uma bolha de plástico gigante que era enchida ao lado da fila do almoço e protegida ferozmente da sanha de curiosidade das crianças, que tocavam, cutucavam, empurravam e queriam entrar na bolha que se avolumava.

Entramos para almoçar e, após certo tempo nas mesas ao lado, pais, mães, avôs e avós se indignavam com algo, que não sabíamos o que era do lado de fora do restaurante.

Eis que terminado nosso almoço, saímos do restaurante e finalmente nos deparamos com o motivo da indignação de nossos vizinhos de mesa.

Dentro da bolha, um pretenso artista completamente nu e semi depilado era besuntado de uma espécie de meleca grudenta por outra pretensa artista.

Agora as crianças não mais atacavam a bolha, mas divertiam-se apontando às nádegas do peladão ou ficavam estáticas, hipnotizadas pelo pênis que balangava sob as investidas das esfregadelas da pretensa artista numa típica cena de comédia pastelão de quinta categoria.

Agora, não mais os roadies da instalação afastavam as menininhas e menininhos da bolha, mas suas mães, pais e avós.

O peladão ficou embolhado, paralisado, melecado e iluminado, apontando seu falo besuntado para a fila de famílias, que esperavam pela sua vez de curtirem um almoço de dia das mães, a fazer algo que, segundo a plaquinha ao lado da bolha era “(…) o limite entre o corpo e a dança (…)”.

Tomando emprestado um conceito clássico amplamente aceito até nossos dias, que define arte como “uma criação humana com valores estéticos, como beleza, equilíbrio, harmonia, que representam um conjunto de procedimentos utilizados para realizar obras”, ou ainda outro conceito em que “o artista busca superar o efêmero da vida humana, certa transcendência da condição humana através dum olhar imbuído de sensibilidade aos fenômenos e circunstâncias postos a ele e a todos nós”, reflito sobre a “obra”.

Não. Não foi isso que encontramos.

Não entendemos a mensagem (se é que havia alguma), não entendemos a crítica, tampouco os valores que justificassem tal instalação.

Vi apenas o niilismo, o relativismo estéticos e o pedantismo do “chocar por chocar”, da “quebra de tabus” como objetivos únicos da arte, tão presentes no universo das instalações artísticas moderninhas da atualidade.

A escatologia apresentada como Norte do padrão estético atual nivela o pensar, o sentir e o agir humanos pelo nível mais baixo e cheira a canalhice e oportunismo, na medida em que se sente regozijada com o incomodo de um público que não escolheu estar ali, não sabia o que encontraria, nem estava preparado ou avisado para tal instalação.

Como forma de “limpar a própria barra”, os monitores do SESC informavam, aos que os interpelavam, que a exposição era proibida para menores de 18 anos. Mas como, se estava instalada imediatamente ao lado da fila para o almoço, oferecendo uma agradável visão para “abrir o apetite” das vovós, mamães, menininhos e menininhas que, para almoçar, eram obrigados a ficar ali por pelo menos 20 minutos?

11150893_1015101735166690_2846896210076740162_nPra não dizer que o problema seja o rabo e a rola do peladão, a outra instalação era tão nula de sentido quanto à primeira, onde centenas de pés de feijão eram observadas por outra suposta artista que permanecia imóvel e calada, vez por outra fazendo um rabisco num bloquinho em seu colo. Na plaquinha ao lado da obra “o público é convidado a manter-se imóvel e em silêncio pelo tempo que quiser”.

Bem… Essa é a expressão da arte vazia da atualidade do pós-modernismo e sua relativização de valores, apesar de eu já ter visto coisas muito piores.

Nesse sentido, dada à profusão dessa linguagem artística e estética, vejo riscos inclusive à própria civilização da forma como a conhecemos e vivenciamos na medida em que, segundo esta visão, a alta cultura deixa de ter sentido e valor como tal e tudo passa a ser entendido como arte: “A instalação de “Macaquinhos” onde artistas futucam os ânus uns dos outros passa a ter tanto valor estético/cultural quanto uma apresentação de Baryshnikov; Bethoven não é superior a Mc Brinquedo ou Bonde das Maravilhas; ou nomes como Picasso ou Willian Turner estão no mesmo patamar de qualquer pichador de muros alheios; ou ainda que “A Porta do Inferno” de Rodin tem o mesmo valor artístico do “Penico” de Duchamp.

Nesse ambiente onde há a subversão de valores artísticos / estéticos somos colocados a um passo da subversão de valores éticos / morais e dos limites dos apetites humanos como condição “sine qua non” à convivência viável em sociedade, nos aproximando da animalização e consequentemente da dependência de controle e tutela de agentes externos, quer sejam químicos, políticos ou aquartelantes.

Talvez seja este mesmo o objetivo final desse projeto escatológico de bestialização e decadência da condição humana e de seu pensar.

Bem… Como já dito em outro momento:

“-Onde tudo vale, nada tem valor!”

Author

Rogério Portela é nascido em São Paulo, casado,pai babão, geógrafo, professor, cinéfilo, músico guitarrista amador, judoca, ex-escoteiro, ex-colecionador de quadrinhos, fã de música (boa) principalmente rock n' roll, leitor contumaz de filosofia, sociologia e temas que botem em cheque nossas certezas ou a falta delas.

1 Comment

  1. Cara! Concordo com quase tudo q tu falou, alias a frase que encerrou o artigo é maravilhosa, mas a ideia clássica do “o que é arte” está abandonada a tanto tempo que qualquer curador enquadraria teu texto como “irrelevante”, eu mesma desconsidero esse conceito plenamente.

    Hoje concordo plenamente que o “chocar” faz mais a obra de arte do que uma boa ideia/técnica, mas como eu sempre digo: não dá mais para analisar uma obra sem antes conhecer o artista, a época e os meios que o fez criar o que criou. Hoje tem muita merda? TEM! Mas tem muita coisa boa! Por exemplo, tu toca na minha ferida quando fala de pichador/graffiteiro, não dá para comparar tecnicamente um “Kobra” a um “Gêmeos”, mas dentro de seu contexto são os dois maravilhosos! Idem para o “penico” de Duchamp, apesar da merda da arte de hj ter começado nele, a ideia ReadMade é impressionante (apesar do discurso Futurista de Duchamp ser uma merda tmb).

    Enfim, adorei seu texto pelo fato de haver uma crítica! Hoje não há mais quem se arrisque ser crítico de arte, todos hj estão mais preocupados em lucrar do que avaliar se algo presta ou não e a população apenas aceita tudo como se fosse necessário “aceitar” para entender a arte.

    Parabéns!
    Vivi