Todo ano damos de cara com aquelas produções ávidas por um vaga entre os indicados ao Oscar. Conhecidos na indústria como “Oscar Baits” (“iscas de Oscar”, em tradução literal), esses filmes são aqueles cujos realizadores sabem (ou acreditam saber) exatamente o tipo de história que costuma cativar os membros da Academia, empregando elementos narrativos já famosos: Há o personagem que busca um sonho que é distante em função de algum tipo de preconceito, a figura familiar que desaprova os esforços do filho(a), o(s) personagem à margem da sociedade e a consagrada jornada de superação rumo a um final triunfante (ou não). Pois este Patti Cake$ possui tudo isso. E ainda assim consegue envolver.

O cineasta e roteirista Geremy Jasper (estreante em longas-metragens) aproveita toda sua experiência como diretor de videoclipes para construir uma estrutura cuja montagem é peça fundamental: ágil e investindo pesado nos inserts, o trabalho do montador Brad Turner (de filmes independentes como O Trote, com Nick Jonas) se encaixa perfeitamente com a proposta da trama, fazendo uma ponte curiosa com o sonho da própria protagonista, que passa justamente por um estilo musical (o Rap) conhecido pelos clipes marcantes.

A história gira em torno de Patti (Danielle Macdonald, do vindouro Lady Bird: É Hora de Voar), uma jovem pobre que mora com a mãe (Bridget Everett, de Descompensada), uma decadente e alcoólatra cantora de bar e a avó doente (Cathy Moriarty, indicada ao Oscar em 1981 por Touro Indomável). O sonho de Patti é ser uma rapper de sucesso, mas apesar de seu inquestionável talento, tem de lidar com o inevitável preconceito por ser mulher, branca e ainda não se encaixar nos padrões de beleza (ela é obesa), além de trabalhar em tempo integral para manter a casa.

Como é possível imaginar, essa é uma premissa que vai de encontro a uma infinidade de produções que caíram nas graças da Academia, como Preciosa, 8Mile e tantos outros. Independente da história desgastada, a força de Patti Cake$ reside justamente em sua protagonista, o que nos faz torcer por seu sucesso instantaneamente.

Logicamente, Danielle Macdonald é a principal responsável pelo êxito narrativo de sua personagem: exibindo uma naturalidade admirável e um carisma invejável, a atriz australiana entrega-se de corpo e alma, destacando-se não só nas densas sequências dramáticas que protagoniza, como também nas ótimas cenas em que ilustra o talento de Patti como Rapper, e, consequentemente, o seu próprio. Em nenhum momento duvidamos de seu dom, e o talento indubitável de Macdonald merece ser observado (e torço muito para que sua carreira desponte após esse filme). A produção também merece elogios por apostar num elenco de apoio repleto de minorias, comprovando que o talento está acima de qualquer tipo de preconceito.

Também responsável pela trilha sonora, o cineasta Geremy Jasper demonstra habilidade ao compor os raps do filme, empolgando a partir do segundo ato ao permitir que o espectador ouça as criações do grupo liderado por Patti. Não hesitando em rechear a produção com composições próprias, Jasper é hábil, particularmente, na condução da história, exibindo uma arriscada confiança que, não fosse talentoso, sabotaria seus próprios esforços.

Pecando ao demonstrar fragilidade nos diálogos e flertando perigosamente com os estereótipos, o roteiro de Jasper tenta desesperadamente adequar-se ao padrão da Academia, o que explica a insistência em martelar tantos elementos batidos como se fossem inovadores (uma pessoa branca tentando vencer num universo dominado por negros, não é nenhuma novidade, por exemplo). A fotografia de Federico Cesca, por sua vez, limita-se ao básico para não comprometer a narrativa, investindo numa paleta sombria que denota sem dificuldades o cotidiano duro e melancólico de Patti, reservando um pouco mais de cor às passagens que mostram o processo de composição dos raps e mergulhando, apropriadamente, no surreal, ao retratar seus sonhos e pesadelos.

Igualmente opaco é o design de produção que, lidando com óbvias limitações orçamentárias, surge pobre em alguns momentos (como os já citados sonhos) e apenas aceitável em vários outros, como a cabana que abriga os ensaios da PBNJ e que cumpre a tarefa de refletir a personalidade de um dos integrantes (e dono do espaço), decepcionando ao focar exclusivamente em suas inclinações satânicas, e reprimindo-se justamente onde teria mais liberdade, já que a anarquia é o que move determinado personagem.

Superando um roteiro previsível, e indolente em vários momentos, Patti Cake$ termina com o saldo positivo de uma história envolvente e inspiradora, que desafia os padrões estabelecidos pela Sociedade e caçoa de seus preconceitos, servindo também como uma bela vitrine para seu talentoso elenco.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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