Era mais uma noite agitada no bar “VemQTem”. Os jovens bebiam e se divertiam ao som da banda que tocava rock. O cheiro forte de fritura se misturava a dezenas de aromas diferentes de perfumes, mas nada disso impedia a “azaração”, característica forte do local. Nas mesas de sinuca, ao fundo do bar, ficavam sempre os grupos de homens que se vangloriavam com jogadas de sorte na mesa. As mulheres estavam no que poderia se chamar de pista – um espaço de poucos metros quadrados em frente ao palco. SelvageriaJá nas mesas, distribuídas ao redor desta pista e a frente das mesas de sinuca, era possível encontrar grupos de amigos e alguns casais.

Sentado em uma das mesas, observando os jovens ao seu redor, estava Adônis. Um senhor que aparentava cinquenta anos, usando camisa polo cor de tijolo, um blazer preto e uma calça jeans, destoava dos demais jovens do local, não só pelos seus cabelos brancos, mas também por estar só e ordenado de joias aparentemente caras. Ele observava atentamente cada um dos jovens, como se buscasse por algo, até que viu um rapaz que lhe chamou a atenção.

Marcelo era um rapaz forte e bonito, usava uma camiseta colada ao corpo e calça jeans. Ele passava em frente à mesa de Adônis com uma garrafa de cerveja long neck no momento em que foi chamado.

– Ei garoto! Venha até aqui, quero falar com você – disse Adônis, enquanto fazia um sinal com a mão.

– Eu? Respondeu Marcelo, apontando o próprio peito com a mão que segurava a garrafa.

– Sim, vou-lhe fazer uma proposta. Você é a pessoa que eu procurava.

– Olha aqui tiozão! Respeito todas as orientações sexuais, mas não curto velho rico que gosta de garotos.

– Deixa de papo furado, garoto! Quero fazer uma aposta com você. Assim saberei se é realmente a pessoa quem eu procuro – disse Adônis com um tom seco e autoritário.

Sentado em frente a Adônis, Marcelo ouviu a proposta simples do homem de cabelos brancos. Ele disse ao rapaz que duvidava da capacidade dele de conquistar uma certa jovem naquele bar. O velho falou apontando para uma mesa com três garotas. Especificou que ele deveria investir na morena e que tinha exatamente uma hora para fazer. Depois era só voltar à mesa, apresentar a garota e receber seu prêmio.

– Ok, mas o que eu ganho? Perguntou Marcelo.

– Gosto de me divertir observando as pessoas e não me apego a bens materiais, se quiser posso lhe dar dinheiro ou alguma das minhas joias – respondeu Adônis com um sorriso.

Ficou acertado que Marcelo ficaria com a pulseira de ouro do velho. Então, o jovem partiu para o ataque. Acreditava que seria fácil, dificilmente perdia na hora de uma conquista.

Marcelo parou em frente à mesa das garotas e puxou assunto com a morena, cujo nome era Thais. A jovem, de vestido florido, era a mais alta das três, que com o salto que usava, ficava praticamente com a mesma altura de Marcelo, que media um metro e oitenta. Os dois foram para a pista, dançaram e tomaram algumas cervejas, mas ali não dava para conversar. Marcelo puxou Thais para uma pequena varanda destinada aos fumantes, onde o som da banda incomodava menos. Depois de muita conversa, Marcelo percebeu que tinha ganhado uma amiga e nada mais. Pensou em fazer um acordo com a jovem para extorquir o velho, mas no fundo não teve coragem. A linda moça agradeceu a companhia, a dança, as bebidas e disse que voltaria para a mesa com as amigas. Derrotado, Marcelo voltou para dentro do bar e viu que o velho ainda estava lá. Ele foi ao encontro de Adônis e disse:

– Pois é meu velho, hoje não deu. Eu não tenho nada para lhe dar. Como faço agora que perdi a aposta?

– Não se preocupe, logo voltarei para cobrar – disse Adônis sorrindo, enquanto se levantava para sair.

Marcelo ficou envergonhado com a situação, algo que ele nunca sentira antes e uma frustração tomou conta dele naquele momento. Ele nunca perdera uma conquista, ansioso, começou a procurar por Thais e a viu caminhando na direção do banheiro. Ele ficou nervoso e foi atrás da moça. O corredor que levava aos banheiros estava estranhamente vazio. Ele viu Thais, linda naquele vestido florido, aguardando na porta do banheiro feminino que ficava de frente ao banheiro masculino. A cena o deixou com raiva. Marcelo chegou por trás dela e a puxou pelos cabelos com ódio. Ele a jogou para o cubículo, que era o banheiro masculino. Thais tentou gritar, mas ele fechou sua boca.

– Sua vaquinha! Qual o problema? Não gostou de mim? Vou mostrar o que você perdeu – gritou Marcelo perto do ouvido da garota, enquanto colocava a mão por baixo de sua roupa.

A jovem tentava se soltar, mas Marcelo era forte. O espaço era pequeno e o rapaz encurralava a moça num dos cantos. Ela tentou uma joelhada e então, com ódio no olhar, Marcelo a virou e bateu a cabeça dela contra a parede. Thais ficou desnorteada e relaxou um pouco. Um filete de sangue começou a escorrer pelo rosto da jovem. O rapaz prosseguiu e levantou vestido dela. Mas algo inesperado aconteceu.

***

Momentos antes, uma das amigas de Thais viu que Marcelo passou rápido pela mesa e foi na direção do banheiro. Ela, desconfiada, o seguiu. A amiga viu o rapaz puxando Thais para o banheiro masculino, então pediu ajuda de alguns rapazes que estavam no bar.

***

Marcelo debruçou Thais na pia, forçando sua cabeça contra o espelho. A moça estava entregue, sua visão estava turva por causa do sangue que escorrera para seus olhos, não tinha força para resistir. Pelo reflexo embaçado tentava olhar para o rapaz, mas só via vultos. O jovem maníaco abriu o zíper de sua calça. Com uma das mãos tocava Thais e, com a outra, continuava a forçar a rosto da jovem contra o espelho sujo de sangue. Ele começou a se tocar também e quando estava prestes a consumar o ato alguém bateu na porta.

– Tem gente! Respondeu Marcelo.

– Cara! Abre essa porta e deixe a garota sair – disse uma voz masculina do outro lado.

Não foi preciso esperar. Uma nova pancada arrombou a porta que bateu nas costas de Marcelo. Dois rapazes entraram e puxaram o estuprador para o estreito corredor. A primeira pancada, Marcelo nem viu, ela veio nas costas, de alguém que já estava do lado de fora. Atordoado com os diversos socos e pontapés que vinham em sua direção, Marcelo tentou correr, mas levou uma rasteira. Ele bateu a cabeça com força na parede antes de cair de boca no chão. Com os pés patinando no chão úmido, tentou levantar para correr, mas tomou um chute na cabeça. Já eram mais de dez pessoas tentando a vez para acertar o rapaz. O boato de estupro correu em uma fração de segundos por todo o bar. Logo, garrafas eram atiradas em sua direção, diversos rapazes que jogavam sinuca, quebravam os tacos nas costas de Marcelo, a dor irradiava por todo o corpo do rapaz que rastejava pelo chão imundo do bar. Ele foi pisado, cuspido e ofendido por todos os nomes possíveis. O ódio estava estampado em cada olhar que agredia o rapaz ensanguentado. Uma nova tentativa de levantar foi em vão, um dos seguranças o prendeu em um golpe pelo pescoço com a intenção de retirá-lo do linchamento, mas também recebeu uma pancada. Ao ser solto, foi jogado mais uma vez ao chão. Agora um chute certeiro no rosto quebrou seu nariz e o fez perder um dos dentes. Seu braço parecia estar quebrado, ele sabia que não sairia mais daquela situação, era seu fim, engolia sangue na tentativa de respirar e não conseguia ver mais nada. A maioria das pessoas já se afastavam do corpo jogado no meio do bar, porém algumas mulheres ainda o pisava com seus saltos. A figura de Thais surgiu no meio da confusão. A garota trazia consigo um pequeno extintor de incêndio. Chorando e soluçando, numa mistura de ódio e vergonha, ela se ajoelhou próximo a cabeça de Marcelo e desferiu um golpe na cabeça do rapaz, ele apagou.

***

Marcelo se viu de pé, fora da confusão. Do lugar onde estava, podia ver que algumas pessoas ainda batiam no seu corpo, era como a brincadeira de malhar o Judas. Viu que a porta do bar estava aberta e de lá vinha uma luz, como se já tivesse nascido um novo dia. Caminhou na direção da porta, quando viu Adônis.

– Pois é meu jovem, essa não foi a sua noite, né? Sorriu Adônis. – Quer sair dessa e me pagar a dívida, ou prefere ver se já amanheceu lá fora?

– O que eu ganho? Perguntou Marcelo.

– Eu lhe tiro dessa situação, arrumo um bom advogado e ainda coloco alguns desses caras na cadeia, se quiser.

– Ok, vamos lá! Faça alguma coisa para me ajudar!

A polícia entrou no bar e todos se afastaram do corpo de Marcelo, que não se movia. Uma ambulância foi chamada, paramédicos prestaram os primeiros socorros e o jovem ainda tinha sinais vitais. Gritos de “deixa morrer” eram ouvidos, enquanto a maca saia do bar.

***

Meses depois, Marcelo estava recuperado, era seu dia de alta do hospital e Adônis entrou no quarto enquanto o jovem arrumava suas coisas. Eles conversaram por alguns instantes e logo o velho de cabelos brancos saiu.

Os amigos de Marcelo se afastaram, ele e sua família mudaram de cidade. Thais não sofreu nenhum abuso, não havia dado tempo, mas no fundo Marcelo não se arrependia, na verdade ele nutria ainda mais ódio por ela e por todos que o espancaram.

Na primeira noite, na nova cidade – que ficava mais de duzentos quilômetros da cidade anterior – o jovem saiu para beber. Ao chegar no bar, onde havia vários jovens dançando forró, Marcelo encostou no balcão. Ao seu lado um rapaz bebia uma caipirinha e assistia a TV que passava uma luta de MMA. Então Marcelo perguntou:

– E aí camarada? Tudo bem? Quer fazer uma aposta comigo?

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Professor por paixão. Analista de TI pela situação. Quando escrevo, me divirto. Adoro filmes e livros de terror (especialmente Stephen King). Amo viajar e sou louco por montanhas russas.

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