No final de julho chegou aos cinemas (em cópias convencionais e em 3D) o mais novo filme de Jean Luc Godard, “Adeus à linguagem”. Infelizmente essa geração nova com certeza irá se perguntar quem é esse diretor? Particularmente eu dizer que ele foi um dos principais pilares do cinema francês é pouco, pois a sua forma de fazer filmes quebrou barreiras e serviu de influência para inúmeros cineastas de todo mundo!

Mas para conhecê-lo, basta assistir a esses cinco filmes que, em minha opinião, são os que melhor sintetizam as qualidades e o perfeccionismo desse cineasta com mais de 80 anos, mas que continua em atividade.

[toggle title=”1) Acossado” state=”close”]

acossadoQuando Acossado estreou no ano de 1959, atingiu o mundo do cinema como um verdadeiro choque elétrico que é sentido até mesmo nos dias de hoje. Pode-se dizer que foi o filme que deu a largada para o movimento da Nouvelle Vague, cujo movimento tinha a intenção de passar uma vontade de renovar e de quebrar regras, e por isso atingiu em cheio os jovens agitados e politizados da época. O fim dos anos de 1950 e o início dos anos de 1960 representaram o principio em que os jovens de todo o mundo ganharam voz alta dentro da sociedade – o nascimento do rock’n’roll, a queima de sutiãs e os protestos de maio de 1968 são reflexos diretos disso tudo. E o filme de Godard representou, principalmente nos aspectos técnicos, a chegada dessa juventude ao cinema com um frescor até então inédito.

De certa forma, não é errado enxergar em “Acossado” o elo perdido de ligação entre o cinema clássico dos anos 1950 e os filmes transgressores da década seguinte. O raciocínio é o seguinte: os críticos franceses da revista Cahiers du Cinema (Godard incluído) admiravam os diretores proscritos como Nicholas Ray que, nos EUA, dirigiam sob fortes amarras de estilo, contrabandeando para dentro dos filmes temas ousados, mas sempre de forma dissimulada. Godard não estava em Hollywood e não tinha dinheiro, mas em compensação não precisava dissimular nada. Fez “Acossado” com US$ 90 mil, do jeito que quis, e mudou o cinema para sempre de uma forma jamais vista.

Alguns anos antes, Hollywood já havia percebido que filmes sobre jovens eram um grande filão, mas sempre os fez de forma conservadora como se exigia na época. “Acossado” rompeu esse paradigma e eletrizou a juventude em todo o mundo. Até então, ninguém jamais havia visto, em filme, um personagem virar para a câmera e se dirigir diretamente ao espectador. Michael Poiccard (Jean-Paul Belmondo), o herói de “Acossado”, não só fazia isso como mandava a platéia se f… A própria personalidade do rapaz era transgressora, uma espécie de James Dean de celulóide: um ladrão de carros que roubava apenas pelo prazer da velocidade. Um jovem que gostava de se vestir bem e fumar cigarros caros. Alguém cuja única preocupação era viver o momento, sem dar bola para o futuro; alguém para quem o amanhã é sempre longe demais. A filosofia “viva aqui e agora”, sempre tão sedutora para os jovens, acabava de ganhar um ícone cinematográfico.

“Acossado” possui apenas um fiapo de história; o que importa no filme de Godard é menos o enredo e mais a forma de contá-lo. Trata-se da história de um rapaz francês, o já citado Poiccard, que está apaixonado por uma garota norte-americana (Jean Seberg). A moça, que passa uma temporada em Paris, gosta dele – e de muitos outros rapazes. Ela dorme a cada noite com um homem diferente, e encara essa atitude com uma naturalidade que deve ter chocado os puritanos da época. Patricia Franchisi (nome dela) também virou ícone para as garotas. O corte de cabelo curto, as minissaias e o comportamento libertário viraram uma coqueluche entre as jovens francesas do começo dos anos 1960.

Quando o filme começa, Poiccard acabou de roubar um carro em Marselha e dirige para Paris em alta velocidade. Ele é seguido por um policial e acaba tendo que matá-lo para não ser preso. O resto do filme trata dos esforços do rapaz para fugir da polícia e, ao mesmo tempo, conquistar o coração de Patrícia. Godard filma tudo isso com um senso de urgência impressionante, um ritmo nervoso acentuado pela montagem inovadora, que pula no meio das cenas como um disco de vinil arranhado. “Acossado” foi o primeiro filme a apresentar uma técnica chamada de “jump cut”, em que os cortes quebram a sensação de continuidade e surgem nos momentos mais inesperados, apenas para acelerar o ritmo geral. Observe, por exemplo, como os cortes rápidos dão à perseguição de carro que abre o filme uma sensação alucinante.

O longa-metragem surgiu de uma idéia de François Truffaut, que escreveu o roteiro a partir de uma notícia de jornal e o entregou ao amigo Godard. Nos anos seguintes, os dois diretores foram se afastando, tanto em termos de temática quanto na parte técnica (Godard sempre gostou de experimentar novidades, enquanto Truffaut preferia mergulhar no personagem em detrimento da técnica). Juntos, porém, os dois foram capazes de criar um clássico instantâneo, um filme de transição entre dois períodos difíceis do cinema. “Acossado” fez Hollywood acelerar a montagem dos seus filmes, introduziu novas modas entre os jovens e foi, por isso, influência básica para diretores como Arthur Penn e William Friedkin, gente que renovaria o combalido cinema norte-americano do pós-guerra, alguns anos depois. Por isso é um filme que todos os cinéfilos deveriam ter em casa.

[/toggle]

[toggle title=”2) Desprezo” state=”close”]

DesprezoBaseado no romance de Alberto Moravia, um dos filmes mais fáceis de Godard, com uma narrativa linear e tratamento de tragédia grega. Bardot no auge da beleza tem o seu corpo generosamente dissecado pela câmera e ao mesmo tempo nos apresenta um dos seus melhores papeis de sua carreira bem sucedida. Assim como em Acossado, Godard explora a relação amorosa de um casal em um único cenário, mas em vez de somente um quarto, vemos o casal central andando em vários cômodos da casa, discutindo sua relação que está à beira do fim, enquanto a câmera somente segue ambos, assim como o espectador.

O filme em si, também é uma homenagem ao próprio cinema que Godard faz, principalmente com a cena inicial totalmente inusitada, mas que da uma vaga idéia do que vira a seguir. Atenção para participação para lá de especial do diretor Fritz Lang, (Metropolis) fazendo ele próprio em meio às gravações de Ulisses. Uma homenagem de um mestre para outro mestre.

[/toggle]

[toggle title=”3) Viver a vida” state=”close”]

VIVER-A-VIDADe todos os seus filmes, esse é o meu preferido de Godard. Talvez por brincar com a nossa perspectiva em determinadas cenas, como a cena inicial em que câmera, ao em vez de focar os personagens, vemos somente eles conversando de costas para o bar e por minutos só ficamos vendo um leve vislumbre de seus rostos em um espelho. Outro belo exemplo é quando a protagonista, com mais um personagem, estão conversando no que parece ser em uma sacada com uma bela vista, mas a câmera vai para o lado e nos revela que é uma parede pintada. Inúmeros momentos como esse ocorrem durante o filme, seja pela perspectiva vinda do diretor, seja também em cenas que é vinda da própria perspectiva da protagonista, como na cena em que ela dança em um bar. Muito se deve isso, não somente pela ótima direção de Godard, mas também pela colaboração do seu colega de produção, o fotografo Raoul Coutard, que ganharia prestígio em injetar sua própria visão em determinadas seqüências de cena em outros filmes da época, nas quais se tornaram sua marca registrada, que por muitas vezes, eclipsava a direção do próprio diretor.

Anna Karina (na época, esposa do diretor) tem aqui um dos seus melhores desempenhos na carreira ao retratar uma mulher, por vezes determinada, mas desiludida com a vida ao embarcar no submundo da prostituição. Se a momentos chaves nos quais ela se sobressai, se entregando em seu papel de corpo e alma, podemos citar dois momentos, sendo que o primeiro é a cena em que ela está no cinema, se identificando e sofrendo com a protagonista de “A Paixão de Joana D’Arc”, de Dreyer. Neste momento, Godard responde em forma de cena, as perguntas que são levantadas em outra obra sua (O Demônio das Onze Horas) sobre o que é o cinema? Aqui, a resposta é de uma forma simples, direta, e ao mesmo tempo, uma homenagem a sua própria arte. E por fim, a cena em que ela conversa com um senhor em um bar, sendo que esse ultima desencadeia a conversa para filosofia pura e, em meio à conversa, faz a protagonista concluir que nos somos responsáveis pelos nossos atos (Se estou feliz, sou responsável; se estou infeliz, sou responsável). Frase como esta que resume seu destino em toda a película.

Um filme indispensável e que acho, por vezes, superior se comparado a Acossado.

[/toggle]

[toggle title=”4) Alphaville” state=”close”]

alphavilleParábola sobre o totalitarismo é um dos filmes mais diretos do diretor, mas não menos interessantes. O protagonista em si foi construído a partir da imagem do personagem das HQ Dick Tracy, criado por Chester Gould, mas se olharmos bem, o visual lembra e muito os detetives de filmes noir da era de ouro do cinema como Humphrey Bogart em O Falcão Maltes por exemplo. E se por um lado, Godard não tinha um Bogart, pelo menos Eddie Constantine não faz feio como um detetive futurístico.

Como o visual era bem noir (mesmo retratando o futuro) o filme possuía uma trilha sonora descaradamente Hollywoodiana. Atualmente, essa obra pode ser muito bem encontrada entre os cem melhores filmes de ficção cientifica do cinema. Gênero que o cinema Frances, aliás, pouco explorou durante sua historia.

[/toggle]

[toggle title=”5) Masculino e Feminino” state=”close”]

masculino e femininoAlgumas pessoas mal informadas acabam dizendo que assistindo a um filme de Jean-Luc Godard é como assistir, no final das contas, toda a sua filmografia, isso porque sempre quando forem assistir outros de seus filmes sempre encontrara a mesma coisa. Claro que eu, da minha parte, discordo completamente, mas a um motivo para essas pessoas mal sintonizadas pensarem dessa forma. Muito se deve ao fato do diretor sempre tocar nas feridas da época como a política que se dividia entre a esquerda e a direita, ao mesmo tempo em que começou a surgir cada vez mais inúmeros grupos de jovens que representavam ambos os lados e que acabavam por gerar esses conflitos.

Em meio a isso, surgiam certas revoluções, tanto culturais como de costumes e é ai que esse genial filme toca no assunto sobre a difícil vida do homem daquele tempo, de tentar de todas as formas de interagirem com a mulher, sendo numa época em que cada vez mais ela se torna independente. E assim, o diretor cria uma historia original em meio a esses diversos assuntos, e isso é muito bem retratado no jovem casal central, interpretados de forma brilhantes pelos atores Jean-Pierre Léaud e Chantal Goya cujos diálogos beiram ao surrealista e ao mesmo tempo com um humor negro que até hoje não envelheceu.

Jean-Pierre Léaud, por exemplo, possui momentos sublimes e ao mesmo tempo seu personagem não foge muito do padrão adotado em outro personagem em que ele interpretou por anos a partir do filme Os Incompreendidos de François Truffaut. Tanto que, por alguns momentos inclusive, vemos os mesmos trejeitos do personagem Antoine neste personagem que aqui ele interpreta o que não significa que ele ficou marcado por um único personagem, muito pelo contrario, mas essa sempre foi à forma de Jean atuar e não é por isso que será rotulado como um ator limitado.

No final das contas, Masculino, Feminino é um excelente filme da ‘nouvelle vague’ francesa, e se pensarmos bem, era algo bem a frente do seu tempo e ao mesmo tempo um verdadeiro retrato das mudanças das relações amorosas que estavam surgindo, Coisa que o cinema americano demorou em engrenar e mostrar em suas telas.

[/toggle]

Author

Sendo frequentador dos cursos do CENA UM (tendo já 45 certificados),sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros e musica erudita mas acima de tudo pela 7ª arte.

Comments are closed.