Responsável por uma boa parcela das melhores animações lançadas nos anos 2000, a Pixar acostumou o espectador a sempre esperar por produções de Vivaqualidade acima da média, elevando o grau de exigência com verdadeiras obras-primas como Os Incríveis e Ratatouille. Mas após um longo período de excelência, o estúdio experimentou uma fase de filmes apenas medianos, que não conseguiam se equiparar aos sucessos anteriores, casos de Valente e da pouco inspirada continuação de Monstros S.A., mas foi com a franquia Carros que o público realmente passou a se preocupar com o futuro da empresa.

Felizmente, não demorou até que a gigante lançasse o exemplar Divertida Mente e acabasse com a desconfiança, inaugurando uma nova fase criativa. E mesmo que não consiga retomar aquela impecável série do início, hoje a Pixar, ao menos, já reencontra-se estabilizada entre os maiores e melhores estúdios de animação, o que pode ser comprovado com Viva – A Vida é uma Festa (Coco, no original), que segue essa linha renovada, aproveitando o que de melhor o estúdio tem a oferecer, que é a combinação entre técnicas esmeradas de animação com narrativas envolventes.

A história segue o jovem Miguel, que tenta esconder de sua família o sonho de ser músico, uma profissão mal vista entre seus parentes em função de um evento traumático envolvendo seu pai. Mais do que “mal vista”, a música é sumariamente proibida em seu lar, o que leva Miguel a recorrer a um prestigiado show de talentos local para extravasar seu talento. O problema é que, em plena comemoração pelo dia dos mortos, o menino busca um violão para poder se apresentar, o que o leva a “pegar emprestado” o instrumento do mausoléu de Ernesto de la Cruz, lendário músico da cidade.

Como foi possível perceber, Viva é fortemente inspirado na cultura mexicana, não só tendo uma comemoração típica do país como âncora narrativa, como também é inteiramente passado em solo mexicano, o que permite ao roteiro incluir vários diálogos em espanhol e utilizar uma série de expressões e gírias de lá. E essa influência cultural é fortemente sentida até mesmo no impecável design de produção, que não se furta em colocar as famosas caveiras pintadas como símbolo.

Aliás, o trabalho do designer Harley Jessup (vencedor do Oscar por Viagem Insólita) cumpre com louvor a tarefa de diluir o potencial assustador da obra, construindo, com isso, caveiras de formatos distintos entre si e sempre recorrendo ao humor para se aproximar do público infantil, incluindo soluções criativas para ilustrar a forma com que os esqueletos se assustam (com direito a um literal queixo caído). Além disso, a produção é inteligente ao sugerir que os mortos têm muito mais medo dos vivos do que o contrário.

Já a direção de arte de Tim Evatt (Procurando Dory) merece aplausos pelo belíssimo “mundo dos mortos” que além de possuir uma linda e impressionante ponte laranja (composta de uma infinidade de pétalas fluorescentes), ainda conta com uma soberba solução para representar a moradia dos esqueletos, num elegante e colorido amontoado de casas. Como se não bastasse, a trilha sonora do sempre excelente Michael Giacchino incorpora o inconfundível estilo mariachi, criando melodias que jamais fogem da proposta cultural do filme e ainda agregam à narrativa.

Escrito por Matthew Aldrich (cujo último trabalho, Evidências de um Crime, foi há 11 anos) e pelo co-diretor Adrian Molina (do fraco O Bom Dinossauro), o roteiro retoma uma característica da Pixar que vinha sendo esquecida nas últimas produções: a emoção. Trabalhando a história de Miguel e sua família com uma sensibilidade que afasta os estereótipos, o script jamais opta pelo caminho fácil de demonizar um personagem apenas para ter um vilão claro, pelo contrário, busca desenvolver e dar motivações a cada um deles, o que contribui para uma galeria multifacetada de personagens e que só amplifica a relação com o público. A própria Música possui uma relação diferente com cada personagem. E embora alguns membros da família de Miguel demonstrem repúdio, os motivos são sempre claros e eficazes.

Falando nisso, é impossível abordar os personagens de Viva e suas respectivas jornadas sem mencionar a carga dramática embutida e que é brilhantemente conduzida pelo diretor Lee Unkrich (responsável pelo antológico Toy Story 3) que jamais apela para o sentimentalismo barato. Vale ressaltar, o diretor não vai muito longe para atingir seus objetivos, utilizando a empatia para comover – e o momento em que Miguel canta e toca Remember Me (Lembre de mim em português) deve figurar entre os mais emocionantes do ano – não tendo muito dificuldade justamente por lidar com questões universais e facilmente identificáveis.

Afinal, como não se identificar com alguém que, depois de morto, luta para não ser esquecido pelos entes queridos que continuam vivos? De acordo com a crença mexicana, a morte é apenas uma passagem, pois continuamos vivos nas lembranças daqueles que amamos. Por isso, os mexicanos celebram o dia dos mortos, já que a data celebra justamente a memória daqueles que já partiram, numa festividade que, aqui, revela-se a união entre estes. Outra bela sacada do roteiro é a “explicação” para uma crendice antiga e que envolve a habilidade dos cães e gatos de verem espíritos, numa jogada certeira e que enriquece o divertido cachorro Dante, alívio cômico e amigo inseparável de Miguel.

Com uma atmosfera densa e que talvez seja dramática demais para os mais sensíveis, Viva – A Vida é uma Festa é uma jornada emocional bonita e extremamente bem executada, seja em termos técnicos ou narrativos, e que deve ressoar principalmente entre aqueles que já passaram pela terrível experiência de perder uma pessoa querida. Desde já, um dos favoritos a conquistar o Oscar de Melhor Animação e confesso estar curioso para ver como o presidente estadunidense Donald Trump irá reagir com a provável vitória de um filme que homenageia a cultura mexicana…

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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